Embalsamado, o ministro da Casa Civil Antônio Palocci está exposto à visitação pública no Palácio do Planalto. Três semanas depois de explodir a denúncia do seu galopante enriquecimento, o ministro já não recebe visitas por ser um desinteressante defunto. Pouco a pouco ele vai sendo abandonado. O PMDB faz de conta que está bem com o governo e que aceitou as explicações, quase desculpas, pelo desatinado telefonema do ministro ao vice-presidente Michel Temer, supostamente da sala da presidente e em viva voz para que ela ouvisse.
Além de embalsamado – empalhado, se quiserem – o PT começa a se contorcer pela incômoda presença do caro e depravado defunto. A opinião pública se impacienta diante de uma crise interminável que desgasta o governo que, pela inação, pouco a pouco deixa fluir pelo ralo em direção ao esgoto, a boa imagem que Dilma transmitiu nos seus primeiros movimentos como presidente.
Se a lembrança não fosse doída, creio que já necessitaria de um Roberto Jefferson, ou um tipo assim, para dizer como o fez na Câmara, em transmissão ao vivo e em cores, dirigindo-se a Zé Dirceu, mas mudando o nome e a forma: “Sai, Tonho! Sai rapidinho daí para não complicar a patroa!”
Se opinião pública já não agüenta ver, sequer, a imagem rechonchuda do milionário alquimista, muito menos os jornalistas, como eu, por ter que ocupar espaço sobre esta figura malsã, quase mórbida, com seu enjoativo cheiro de formol. O PT, pouco a pouco, dá demonstrações que quer se ver livre e abandonar a defesa de Palocci. Já o governo perdeu o controle da situação. Não tem, sequer, um interlocutor de nível para fazer a ponte entre o Planalto e os congressistas, principalmente a sua base aliada.
A impressão que ganha corpo é que o episódio pode ameaçar inclusive o petismo. Surgem sinais de fadiga diante da sua forma escandalosa de governar. Dilma está permitindo a ilação que se espraia de que o PT com Lula é um, sem ele é outro. Nesse caso, quase inexistente. O ex-presidente cansou a opinião pública pensante com o seu jeito palanqueiro de quem aprendeu português através dos livros adotados pelo MEC. Mas continua amado por um grande segmento dos brasileiros. Até quando? Impôs Dilma presidente e surge, agora, a pergunta quase shakespeariana sobre o não ser.
Palocci vai, volta, e não explica nada. Desdenha da opinião pública, mas não do seu dinheiro farto. Diante de tamanha pressão, resolveu se acertar com a Rede Globo e concedeu uma entrevista na tarde de sexta, gravada, divulgada à noite no Jornal Nacional. Poderia fazê-la ao vivo, mas preferiu, pelo sim, pelo não, gravar para sentir-se, talvez, mais seguro sobre o que teria a dizer. Sob fogo total, dos adversários e o fogo amigo do próprio PT, quebrou então o silêncio.
Na entrevista, repetiu tudo o que já se sabia, permanecendo no mesmo blá-blá-blá que gerou a crise. Assim, Palocci não negou o fantástico crescimento do seu patrimônio nos últimos quatro anos e justificou os ganhos no final do ano passado “por ter encerrado os contratos da empresa de consultoria”. Insistiu que todos os seus negócios foram declarados à Receita Federal, com consultorias prestadas exclusivamente ao segmento privado, nos setores de serviços, industrial, financeiro e mercado de capitais. O Chefe da Casa Civil nega que tenha prestado serviços a órgãos públicos, restringindo-se ao setor privado.
Negou, também, que seus ganhos tenham a ver com a campanha da presidente Dilma, explicando que sua atuação se restringiu ao aspecto político. Disse mais, repetindo a cantilena, que não revela os nomes das empresas que mantiveram contrato de consultoria come ele, E, por fim, que não existe crise no governo, mas, pelo contrário, tudo o que lhe disser respeito ele é o responsável. Em síntese, nada mudou com a entrevista que concedeu para diminuir a pressão pública e política. Portou-se como o monge republicano de sempre. Não creio que tenha melhorado a sua imagem. Nenhuma resposta contribuiu para reduzir o seu calvário.
O Chefe da Casa Civil está muito desgastado. Deve sair do cargo porque não tem como ficar. Isso, ressalve-se, se não estivéssemos, é claro, neste País curupira.
Na semana que passou a Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados aprovou um requerimento requisitando-o. Os governistas fizeram de conta (supostamente) que dormiram, ou cochilaram, ao ser realizada a votação por aclamação. Na verdade, muito provavelmente tenha sido um movimento dos partidos da base pensado e urdido entre eles para ver se assim Palocci pegaria o seu bonde de São Januário.
Depois, diante da aprovação do requerimento e repercussão do caso, começaram a deturpar e inventar explicações. O presidente da Câmara dos Deputados ameaça invalidar a votação. Se o fizer vai desmoralizar ainda mais a Câmara, de imagem de há muito deteriorada. O deputado líder da bancada do DEM, ACM Neto, promete bater às portas do Supremo se ele cometer tal desatino.
Tudo isso demonstra que Antônio Palocci está isolado, mas é preciso esperar a repercussão do que explicou na entrevista. Se ele permanecer exposto em câmara ardente, pior para a presidente Dilma. Tal como aconteceu na semana anterior, quando Lula ressurgiu como interlocutor da crise no Senado Federal, ele é capaz de, novamente, projetar sombras sobre sua cria e, pessoalmente, arrastar o esquife de Palocci da sala de visitação aos mortos ilustres no Palácio do Planalto.
(Samuel Celestino)
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